Revoluções são festas dos oprimidos e explorados. Em nenhum outro momento, as massas populares encontram-se em condição de avançarem tão ativamente enquanto criadores de uma nova ordem social como no tempo da revolução.”Lenin Na história da humanidade de todos os tempos, a Grande Revolução Russa de Outubro de 1917, enquanto prólogo da revolução socialista mundial, é o marco real e triunfante de maior relevância na longa luta de classes internacionalista, travada pelos trabalhadores e todos os seus aliados oprimidos por Pão, Paz e Terra, rumo à edificação de um novo mundo : um mundo sem fronteiras, autenticamente humanizado, imune a todas as formas de exploração do homem pelo homem e de nações por nações, livre de toda a opressão dos Estados e das dilacerações sociais sangrentas, emergentes das sociedades cindidas em classes irrenconciliavelmente hostis.Entrevendo o jubileu dos 80 anos do desaparecimento de Lênin não como um evento estático, regulado por um calendário de um período definitivamente concluído, contemplamos sua morte e o Outubro Vermelho de 1917 como ocorrências dinâmicas de um fluxo permanente em que assumem colossal importância para a vitória das lutas revolucionárias de emancipação dos explorados e oprimidos, seja do nosso presente histórico, seja do futuro vindouro das novas gerações.
I.) DIREÇÃO MARXISTA DAS LUTAS PROLETÁRIAS NA REVOLUÇÃO DE OUTUBRO
Se a história da Revolução de Outubro de 1917 consagrou da maneira mais plena, em meio às atrocidades da I Grande Guerra Mundial, o método marcadamente consciente, programático e organizado de intervenção dirigente do Partido Bolchevique - vanguarda de luta do proletariado hegemônico - na revolução socialista internacionalista, Lênin, enquanto principal protagonista desse partido e de uma nova Internacional Revolucionária, Presidente do Conselho dos Comissários do Povo do novo Estado Proletário e autor dos primeiros Decretos do Governo Revolucionário Operário e Camponês, mentor ideológico da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e inspirador da Primeira Constituição da República Socialista Soviética, elevou o Outubro de 1917, ocorrido em um dos países mais atrasados no âmbito da cadeia européia do imperialismo capitalista, povoado por uma vasta massa de camponeses pobres, à condição de paradigma maior a ser tomado sempre em consideração por todos os modernos projetos de vitória proletária na revolução mundial contra o capital e o latifúndio. Em meio a legiões de centenas de milhares de lutadores operários e camponeses pobres, soldados e marinheiros, intelectuais e profissionais revolucionários, prodigiosamente perspicazes, tenazes e abnegados – entre os quais se destacaram Trotsky e Sverdlov, Smilga e Muralov, Frunze e Antonov-Ovseienko tal como tantos outros - Lênin foi a estrela guia de primeira grandeza no cenário da Revolução de Outubro de Toda a Rússia Soviética, a tal ponto que o próprio esplendor histórico dessa revolução encontra-se inseparavelmente associado ao seu nome, à sua vida e atividade.Ingressando no movimento revolucionário russo em 1887, aos 17 anos, e não abandonando jamais a concepção de mundo de Marx e Engels, Lênin emergiu, no cenário político contemporâneo, marcado pelo advento e agonia do imperialismo, como o mais expressivo dirigente partidário da conquista da hegemonia do proletariado sobre os demais setores, estamentos e classes sociais oprimidas, enquanto estratégia político-revolucionária de incorporação das mais amplas massas populares nos processos revolucionários violentos, voltados à tarefa histórica decisiva de destruição do Estado da ínfima minoria dos exploradores e opressores, na prolongada trilha de construção de uma sociedade sem classes e de emancipação de toda a humanidade confrangida.As vitórias que conduziram ao Outubro de 1917 e dela decorreram foram factíveis, em primeiro lugar, porque soube desenvolver, incansavelmente e com agudeza de espírito, a dialética no trato da teoria científico-socialista de Marx e Engels , compreendendo que os proletários, por não poderem, por seus próprios esforços, atingir senão uma consciência sindical-econômica mais ou menos nítida – em cujo quadro prevalece, então, inevitavelmente a dominação ideológico-burguesa, historicamente mais sólida, complexa e opulenta -, necessitam do partido marxista-revolucionário para transformarem em consciência toda a sua intuição acerca das novas tarefas que envolvem a luta revolucionária de edificação do socialismo . Assim como Engels, Lênin destacou que o socialismo, uma vez tornado ciência, exige ser tratado como tal, i.e. deve ser sistematicamente estudado, tudo dependendo de se propagar, com zelo crescente, entre as massas trabalhadoras a visão cada vez mais clarificada da luta socialista, fundindo, encadeando, unindo (zusammenschliessen), sempre mais firmemente, partido revolucionário e organizações sindicais.Em sua concepção, a educação efetiva das massas lutadoras não pode assumir jamais caráter escolástico ou acadêmico - o qual as desmoraliza e lhes insufla preconceitos burgueses-liberais e sociais-reformistas acerca da mitologia moderna das Deusas da Justiça, Igualdade e Fraternidade -, mas sim deve estar sempre integrada à sua própria luta política independente e especialmente revolucionária, posto que apenas essa é capaz de realmente formar as classes exploradas e oprimidas, desvendando-lhes a magnitude de seu próprio poder, estimulando suas habilidades e forjando sua vontade revolucionária.Por sua vez, o partido marxista-revolucionário deve aprender a descobrir, estimular, promover, dinamizar o enorme talento prático-organizativo possuído pelas próprias massas lutadoras, impedindo resolutamente que o capital e o latifúndio o golpeie, destruindo-o completamente.Lênin manejou a dialética de Marx e Engels sobretudo contra sua degeneração sofístico-metafísica, destituída de conteúdo revolucionário, promovida não apenas pelos próceres do socialismo da colaboração de classes nacional-chauvinista (no estilo Scheidemann, Plekhanov etc.), reformista-pacifista (Bernstein, Martinov) e paficista-democrático (Kautsky, Martov), mas também por renomados bolcheviques frente-populistas e defensistas da pátria burguesa reacionária na guerra imperialista (Stalin, Kamenev, Rykov), opositores declarados do método da insurreição socialista para a destruição do Estado Burguês e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado (Kamenev, Zinoviev, Lunatcharsky, Riazanov), conciliadores de bolcheviques insurrecionais com antípodas da insurreição (Stalin), antagonistas da formação de um governo revolucionário exclusiva ou hegemonicamente bolchevique (Lunatcharsky, Kamenev, Riazanov), propugnadores do esquerdismo comunista, contrário ao defensismo da pátria socialista na Guerra Civil e Revolucionária com forças armadas proletárias realmente existentes e aptas a impulsioná-lo (Bukharin, Radek). Mais do que isso : sem qualquer temor de permanecer em minoria ou de modo até mesmo isolado, sem qualquer receio de resultar derrotado ou ser tachado de excêntrico no quadro do movimento revolucionário russo e internacional, Lênin combateu todas as diversas vertentes políticas que fomentavam direta ou indiretamente o socialismo pequeno-burguês e utópico, o terrorismo populista, o espontaneísmo criticista, o economicismo sindicalista, o reformismo social, o inorganicismo menchevique-partidário, a subalternidade ou o isolacionismo do proletariado na revolução em face do campesinato e da burguesia, o liquidacionismo do partido legal e clandestino, o eleitoralismo estatal-democratista, quer de linhagem chauvinista, quer de índole pacifista, como meios supostamente viáveis de atingir-se a vitória nas revoluções proletárias e o início da construção de uma sociedade socialista .Desmascarando, sempre com palavras simples e contundentes, não apenas os sociais-oportunistas de todos os matizes situados fora, mas também protagonizando resolutamente tendências, frações e rupturas contra bolcheviques sectário-abstencionistas, eclético-conciliadores, komitetchiks-burocratizados situados dentro do próprio partido revolucionário, como forma de depurar, fortalecer e aprimorar o instrumento orgânico de preparação e direção das lutas do proletariado contra a selvajeria do capital e do latifúndio, Lênin defendeu inabalavelmente o princípio maior da unidade do partido revolucionário proletário, fundado na rigorosa observância do centralismo democrático, exercido em congressos, conferências, comitês, células distritais e fabris, regularmente operantes e ocupados não exclusivamente com discussões sobre regras organizativas internas, mas sobretudo com o exercício concreto da apreciação marxista dos novos fatos objetivos e definição de tarefas revolucionárias atualizadas, com base em informações específicas sobre funções desempenhadas e a desempenhar no cenário da luta de classes. Nesse preciso contexto, estimulou constantemente processos de fusão das forças bolcheviques com novos agrupamentos combativos que, em dado momento histórico, regressaram ao legítimo sendeiro da revolução proletária.Entendendo que um partido marxista-revolucionário não pode ser erigido sem a mais perfeita e fiel clareza acerca dos matizes essenciais nele existentes, sem luta aberta entre suas várias tendências, sem informar as massas sobre que dirigentes e agrupamentos partidários perseguem essa ou aquela linha política em dado momento histórico , salientando, porém, a importância da disciplina de ferro do partido proletário enquanto forma de combater a desorganização e definindo-a como unidade da ação revolucionária, liberdade de discussão e criticismo – sendo apenas essa disciplina digna de um partido democrático da classe avançada -, a concepção de vida político-partidária de Lênin veio a revelar-se como sendo o oposto diametral do monolitismo cripto-partidário de Stalin e seus asseclas, praticado a pretexto de impulsionarem a “bolchevização” dos partidos da Internacional Comunista.Permanecendo sempre muito distante de ser adulado pela grei dos que alegadamente se reivindicavam como autênticos porta-vozes e defensores da causa dos trabalhadores, Lênin prestou com sua atividade perseverante e sagaz um valioso exemplo para a luta inquebrantável a ser impulsionada pelos marxistas revolucionários não apenas contra os paredros do oportunismo e do ecletismo teórico-politico, senão também contra os corifeus do indiferentismo crítico e do relaxamento organizativo, em questões relacionadas com as perspectivas de novos Outubro Revolucionários.
O mais total abandono dos ensinamentos do Outubro Vermelho de 17 e do legado revolucionário de Lênin, tal como empreendido por Ernst Mandel, e, atualmente, por seus epígonos do Secretariado Unificado, Bensaïd, Löwy e Vercammen, a deturpação da teoria e da prática da política revolucionária de Lênin, de modo a convertê-la em um guia para a ação (Anleitung zum Handeln) inteiramente oportunista, sustentadora de frente-populares e fomentadora de burocracias partidárias, sindicais e estatais-operárias, tal como o fez Stalin e seguem fazendo seus seguidores “marxistas-leninistas” dos velhos e novos “Partidos “Comunistas”, a veneração superticiosa de Stalin como se fosse o legítimo herdeiro histórico de Lênin e de sua política socialista e internacionalista, tal como o fazem Mao, Gramsci e seus sequazes, a conversão gramsciana da concepção histórico-materialista de Lênin sobre a conquista da hegemonia do proletariado na revolução em uma versão idealista-subjetivista, segmentadora e privilegiadora da “guerra de posição” para alcançar a “fase culminante” na luta pelo socialismo, em prejuízo da “guerra de movimento” e do “ataque frontal”, protagonizadas – segundo Gramsci - por Trotsky “em um período em que esse é apenas causa de fiascos“, todos esses aspectos demonstram-nos nitidamente que permanece sendo imprescindível, 80 anos após a morte de Lênin, seguir reivindicando e defendendo as “Lições de Outubro” e a “História da Revolução Russa”, como forma de prosseguir reconstruindo conseqüentemente a IV Internacional de Trotsky, sob pena de dever-se dizer com Marx: “tout ce que je sais, c’est que moi, je ne suis pas marxiste (tudo o que sei, é que marxista eu não sou)”.Ao mesmo tempo, é imprescindível conceber o marxismo revolucionário impulsionado por Lênin não como um conjunto de axiomas imutáveis a ser apreendido de memória, conformador de uma seita apriorista (pure Sekte), despojada de toda a realidade da vida prática e cambiante da luta de classes, de modo a transformá-lo em um “fenômeno cômico (komische Erscheinung)”.E, de fato: é inteiramente impossível compreeder-se bem as questões mais decisivas não só da Revolução de Outubro de 1917, mas também de todas as iniciativas revolucionárias subseqüentes e vindouras, a serem empreendidas pelas massas exploradas e oprimidas de todo o mundo na busca de sua emancipação socialista, sem um dedicado estudo da obra paradigmática e da vida revolucionária de Vladimir Ilitch Lênin.